sexta-feira, 6 de março de 2015

Máquinas de escrever


Quando criança eu desejava uma máquina de escrever. Se hoje os computadores encontram correspondentes entre os brinquedos nas prateleiras das lojas, naquela época as máquinas de escrever eram produtos em potencial para crianças: coloridas, revestidas de desenhos de personagens famosos, cheias de brilhos e texturas eram disponibilizadas nas prateleiras por preços não tão bonitos assim.
Minha mãe não queria comprar aquilo. Na verdade sei pouco sobre o que realmente motivava mamãe a não querer aquele objeto em casa, mas posso deduzir de forma simples que ela não queria na calma do lar um objeto caro, barulhento e que reinava em seu trabalho.
Me pergunto se eu teria vingado nas artes da escrita se tivesse em mãos, aos sete anos de idade, uma máquina de escrever com todo o seu charme e barulho. Uma vez que ler sempre fora algo presente, escrever se tornaria (se tornou?) uma consequência, como o é em meus muitos cadernos.
Não sei pensar em nada diferente disto. Posso traçar uma linha firme, do meu letramento até os dias de hoje, sobre os sabores e dissabores com a leitura. Sinto que passei com saúde por todas as fases da leitura: a infância em que testei limites sensoriais; a juventude desafiadora e curiosa, tateando entre o ruim e o bom texto, desejando encontrar algo que substituísse minha voz; a vida adulta que degusta o pouco tempo que tem para a leitura, admira grandes narrativas e poemas, tem vergonha (por vezes) dos bobos nomes que leu na adolescência, mas ainda assim agradece cada voz que ajudou na jornada até os dias de hoje.
Não me classifico como uma leitora compulsiva. Não leio qualquer livro que me cai no colo. Mas não menosprezo os que não nutro um interesse, apenas não tenho desejo pela leitura daquele texto. Ler me acalma, me delimita um pensamento no turbilhão diário. Me torna. Em quê, ainda não arrisco responder.
Já escrever foi algo distinto, surgiu da necessidade, no preenchimento de algo que não nomeei ainda, mas pode ser alguma coisa da ordem do espírito. Faço acordos comigo na hora de construir minha narrativa. E nenhuma qualidade escrita por mim neste texto pode descrever de forma competente como é esta narrativa. 
Só para constar, ganhei uma máquina de escrever aos 27 anos. Foi um dia lindo.